INTRODUÇÃO

As doenças autoimunes são caracterizadas por lesões e perda de função, que surgem em consequência a agressões imunes anómalas direcionada a órgãos específicos. Essas doenças são crónicas, debilitantes e reduzem brutalmente a qualidade de vida. Já são conhecidos mais de 80 tipos de distúrbios autoimunes.
A etiologia exata da maioria das doenças autoimunes ainda é assunto de alguma discussão. No entanto, sabe-se que a predisposição genética, os fatores ambientais, a MICROBIOTA, a DISBIOSE INTESTINAL e o eixo intestino-cérebro estão significativamente envolvidas no desenvolvimento destas patologias.

MICROBIOTA

Embora a microbiota, ou flora intestinal, de um indivíduo seja única, esta começa a evoluir desde o nascimento até à velhice, sendo influenciada ambientalmente e realiza a mesma função fisiológica em todos os humanos – PROTEGE.
Para uma boa digestão e absorção o corpo possui um especializado sistema gastrointestinal que é mantido por uma fina, mas importante, barreira de mucosa. A superfície intestinal abrange cerca de 400m2 e possui inúmeros mecanismos de defesa que trabalham em parceria com a barreira de epitélio.

Os mecanismos de defesa são essenciais pois, além da absorção de nutrientes, a mucosa intestinal também fica exposta a inúmeros agentes exteriores, substâncias alimentares inflamatórias, micro-organismos estranhos, tóxicos e outros, cuja entrada precisa ser bem controlada ou mesmo bloqueada.

Um dos mecanismos de defesa deve-se ao controlo apertado das estirpes e da quantidade das bactérias comensais da microbiota intestinal.

As bactérias intestinais comensais cooperadoras, que compõem a microbiota intestinal, têm demonstrado ser um componente crucial da barreira física intestinal principalmente devido às suas principais atuações. Nomeadamente, promovem resistência à proliferação de bactérias de estirpes nocivas por competirem por alimento/nutrientes, ocupar espaço físico e por produzir substâncias antimicrobianas. Adicionalmente, a microbiota regula a digestão e absorção de nutrientes para alimentar as células epiteliais da barreira.

O intestino delgado proximal abriga muito poucos microrganismos, porém à medida que a distância do estômago aumenta, o pH aumenta e o número de bactérias colonizadas também. O número destas bactérias supera muito o número de células hospedeiras, daí que o sistema de defesa seja essencial para se manter a simbiose entre bactérias e células do hospedeiro.

Muitas bactérias aumentam a permeabilidade da camada epitelial alterando o estado das junções apertadas, presumivelmente em benefício da sua própria proliferação. Uma das formas de fazer isso é por produzir toxinas como seu produto metabólico. Uma destas toxinas é a Zonulina. A zonulina tem como papel fisiológico a modulação da permeabilidade das junções entre as células da parede intestinal. Executa diferentes ações como a regulação dos fluídos e a presença de grandes moléculas na mucosa intestinal. Esta proteína está relacionada à patogénese de doenças autoimunes, principalmente a doença celíaca, visto que a gliadina, proteína presente no glúten, é um dos fatores que mais potenciam o aumento e ação da zonulina.

DEFESA LINFOIDE

Por detrás da camada epitelial, está organizado um sistema de defesa linfoide composto por folículos, cujo conteúdo inclui uma diversidade extensa de células de defesa especializadas no processo de alerta contra elementos estranhos, resposta rápida contra agressores, promotores de inflamação, pedido de reforços, entre outros.

Outro componente da barreira de defesa linfoide é a Imunoglobulina A secretora (Ig A; Imunoglobinas são anticorpos sintetizados pelos linfócitos B, agentes de defesa). Esta imunoglobulina é a mais abundante no corpo e reside principalmente nas superfícies da mucosa intestinal. Embora algumas pessoas com deficiência seletiva de Ig A pareçam saudáveis, a Ig A secretora é importante, pois interage com bactérias comensais para fornecer proteção contra elementos patogénicos.

PROBLEMAS NA BARREIRA DE DEFESA

No intestino, a comunicação entre bactérias e hospedeiro é fortemente dependente de um reconhecimento via recetores presentes em especial nas células de defesa. Certas microbiotas alteradas, e seus metabolitos produzidos, afetam a presença dos recetores de reconhecimento o que promove a disfunção e colapso do tecido e aumenta a permeabilidade.

Se surgem problemas com a barreira ou com os elementos que regulam todo o ambiente intestinal, pode formar-se um aumento de permeabilidade intestinal (“leaky gut”= “Intestino Poroso”), caraterizado pela abertura das junções epiteliais normalmente “apertadas” da barreira epitelial. A abertura e o fecho de “Junções epiteliais apertadas” dependem de vários estímulos, incluindo ingestão alimentar, sinais neurais, endócrinos e fatores imunológicos, como mediadores inflamatórios e mastócitos.

Um intestino permeável permite a entrada de elementos externos ao intestino no interior do hospedeiro, podem difundir-se na circulação sanguínea e linfática, esta condição promove respostas inflamatórias imunitárias locais e sistémicas. Esse processo de movimento é chamado de translocação microbiana.

Tóxicos, bactérias, vírus, stresse emocional e drogas são gatilhos ambientais, potencialmente indutores a distúrbios autoimunes. Metais como hidróxido de alumínio, níquel e cobalto podem também ser agentes ativadores de recetores inflamatórios crónicos que contribuem para distúrbios autoimunes.

Infeções podem desempenhar um papel na regulação da barreira mucosa. Um bom exemplo é a Helicobacter pylori, uma bactéria que afeta o estômago humano e que aumenta diretamente a permeabilidade epitelial intestinal.

EIXO INTESTINO – CÉREBRO

Sendo complexos e bidirecionais, os caminhos de comunicação entre a microbiota intestinal e o cérebro desempenham um papel importante na saúde e nas doenças autoimunes.

A comunicação intestino-cérebro e cérebro-intestino ocorre por meio dos sistemas neural (sistema nervoso autónomo e entérico), endócrino, metabólico e imunológico. Juntamente com o tecido linfoide intestinal e a rede neuroendócrina, a camada epitelial intestinal mantém o equilíbrio entre a tolerância e a resposta da autoagressão a tecidos sãos, prevenindo patologias e minimizando a inflamação. A permeabilidade dessa camada é, portanto, responsável por manter esse equilíbrio.
Evidências crescentes nos últimos anos sugerem que a disfunção da barreira intestinal e a permeabilidade intestinal, devido à microbiota nefasta, são um elemento crucial causador de distúrbios autoimunes, tais como a doença celíaca, a hepatite autoimune, a diabetes tipo I, esclerose múltipla e lúpus eritematoso sistémico.

COMO ATUAR

Perceber que a autoimunidade não é autónoma sugere a possibilidade de prevenção ou tratamento de doenças autoimunes, interrompendo a interação entre a genética e os gatilhos ambientais através do intestino, por restabelecer a função de barreira – uma nova e inovadora abordagem ao tratamento de patologias autoimunes. Torna-se assim útil procurar entender concretamente o que contribui para uma expressão genética desvantajosa e como facultar um ambiente orgânico celular são.

ALIMENTAÇÃO

A alimentação humana mudou substancialmente ao longo dos anos. Os próprios alimentos têm sido dramaticamente transformados. Existem novas linhagens de grãos, projetadas para resistir a patogénicos e herbicidas. Verifica-se um consumo diário quase inevitável de produtos geneticamente modificados e/ou processados.

O consumo de nutrientes e ingredientes alimentares contribuem muito para a manutenção ou alterações da microbiota intestinal e da função da barreira intestinal.

A vitamina D foi reconhecida como protetora da permeabilidade intestinal. A falta do reconhecimento celular para a vitamina D tem demonstrado estar associada a maior prevalência de colite intestinal em animais e humanos, sugerindo o efeito protetor da barreira mucosa.

Estudos recentes ainda verificaram que um consumo de uma alimentação pobre em fibras desencadeia a proliferação de bactérias degradadoras de muco, incluindo a Akkermansia muciniphila e Bacteroides caccae. O muco mais fino e a função da barreira intestinal comprometida levam a uma maior suscetibilidade a certos elementos patogénicos causadores de colite.

Além disso, foi demonstrado que uma alimentação rica em gordura saturada (por exemplo: lácteos, carnes, produtos charcutaria, banha de porco, produtos com óleo de palma, etc.), diminui o número de colónias de Lactobacillus e aumenta a estirpe Oscillibacter. Essas alterações foram correlacionadas com a permeabilidade significativamente aumentada no cólon proximal.

Contrariar a permeabilidade intestinal através da manutenção de uma microbiota saudável parece mostrar-se uma ação protetora e de tratamento contra os distúrbios intestinais e a resposta imune por autoagressão. O consumo de prebióticos e probióticos tem sido utilizado para reduzir a permeabilidade intestinal. Diversas espécies probióticas foram investigadas e mostram possuir propriedades adequadas para proteger a barreira intestinal, tais como: Lactobacillus rhamnosus, Lactobacillus paracasei, Lactobacillus acidophilus, Bifidobacterium bifidum e Bacteroides fragilis.

Saber como alimentar as bactérias da nossa microbiota e fornecer-lhes um ambiente livre de tóxicos mostra-se a primeira fase de prevenção e tratamento contra doenças que afetam a capacidade defensiva. Prevenir doenças crónicas intestinais e imunológicas pode realmente evitar uma patologia autoimune.

Procure saber como e o que comer para se tratar, saiba como prevenir, TENHA MAIS PODER E QUALIDADE DE VIDA.

Inês Pereira  –  Licenciada em Ciências da Nutrição pela Faculdade de Ciências da Saúde – Universidade Fernando Pessoa do Porto (2014) e com formação em Naturopatia desde 2010.   Cédula profissional da Ordem dos Nutricionistas Nº: 3285N

 

Fontes:

  1. Mu Q, Kirby J, Reilly CM, Luo XM. Leaky Gut As a Danger Signal for Autoimmune Diseases. Front Immunol. 2017;8:598. doi:10.3389/fimmu.2017.00598
  2. Smyth M. Review article: Intestinal permeability and autoimmune diseases. BioscienceHorizons, 2017. Volume 10
  3. http://www.glutenfreebrasil.com/zonulina-o-que-voce-precisa-saber-sobre-este-biomarcador-intestinal/ (Última consulta em 04/10/2020)
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