O consumo moderado, mas frequente, e o consumo excessivo de álcool estão reconhecidos como causadores de vários efeitos nocivos à saúde principalmente devido aos danos provocados pela presença de etanol, uma droga psicoativa, que depois de consumida, precisa ser rapidamente desintoxicada no organismo.
Os hábitos de consumo de bebidas alcoólicas potenciam o risco de desenvolver:
- Doenças cardiovasculares e hepáticas,
- Distúrbios metabólicos,
- Deficiências nutricionais,
- Cancros (nomeadamente cancro de boca, estômago, cólon, fígado e mama),
- Distúrbios neurobiológicos,
- Anomalias fetais.
Além disso, provocam efeitos adversos graves sobre os diferentes componentes do SISTEMA ENDÓCRINO/HORMONAL.
As desregulações hormonais induzidas pelo álcool têm mostrado afetar todo o corpo e podem resultar em vários distúrbios, tais como:
- Alterações do sistema nervoso,
- Défices reprodutivos,
- Defeitos no crescimento corporal,
- Problemas de tiroide,
- Disfunção imunitária,
- Cancro,
- Doenças ósseas,
- Distúrbios psicológicos e comportamentais.
As perturbações hormonais enumeradas surgem, em especial, devido a alterações cerebrais do eixo HIPOTÁLAMO-PITUITÁRIA-GONADAL (HPG) e/ou mecanismos que promovem DANO CELULAR nos órgãos funcionais e de regulação.
ALTERAÇÕES DO EIXO HIPOTÁLAMO-PITUITÁRIA-GONADAL
Sem desvalorizar a presença de variações intra e interpessoais da população quanto aos níveis hormonais, o consumo de álcool tem mostrado afetar o EIXO CEREBRAL HPG (um sistema de glândulas endócrinas) e, consequentemente, as HORMONAS envolvidas na diferenciação sexual, nos padrões de comportamento sexual, no desenvolvimento e funcionamento corporal.
O funcionamento de todo o eixo HPG possibilita a regulação dos níveis adequados das 3 classes principais de esteroides sexuais, nomeadamente, androgénios, estrogénios e progestagénios, que derivam principalmente da testosterona, estradiol e progesterona, respetivamente.
A testosterona é uma hormona denominada muitas vezes como hormona masculina, no entanto, mostra-se essencial para ambos os sexos. Nos homens, níveis reduzidos de testosterona estão associados a várias condições patológicas – diminuição da função muscular e prostática, anemia, função imunitária alterada e infertilidade. Em mulheres a carência desta hormona está associada a falta de líbido e de tónus muscular, osteoporose, infeções urinárias recorrentes, problemas no sono, entre outros.
Estudos têm mostrado que a perturbação dos níveis de testosterona total, relacionada ao consumo de álcool, acontece principalmente em faixas etárias elevadas. É de notar que alguns estudos revelam um aumento dos níveis de testosterona total em jovens adultos com hábitos de consumo de bebidas alcoólicas. Todavia, nestes estudos não foram avaliados os níveis de Testosterona Livre. Esta, sim, está disponível no sangue para absorção imediata pelo organismo.
A testosterona livre funciona como principal precursor para o desenvolvimento muscular e ajuda à função do pénis e dos testículos. A testosterona total é a soma da testosterona livre, a testosterona ligada à Albumina, e também testosterona ligada ao SHBG (do inglês Sex Hormone Binding Globulin, ou seja, Globulina de ligação a hormonas sexuais). A testosterona ligada a estas proteínas, portanto não disponível, funciona como uma reserva de testosterona.
Muitas vezes, aquando do consumo frequente de álcool, identificam-se níveis elevados de testosterona total, mas ao mesmo tempo apresentam-se níveis reduzidos de testosterona livre. Estes níveis de testosterona livre baixos podem induzir a várias disfunções sexuais, ainda que a testosterona total esteja alta.
Relativamente a perturbações hormonais no sexo feminino, um estudo concluiu que o consumo de 100g/por semana de álcool (aproximadamente 10 copos de vinho com 12,5%vol.) parece estar associado a um aumento do risco a desenvolver infertilidade ovulatória e endometriose. As consequências são atribuídas ao facto do consumo de álcool estar intimamente ligado à elevação dos níveis de estrogénios através de um efeito secundário do metabolismo do álcool na oxidação do estradiol e devido à transformação da testosterona em estradiol (denominada aromatização). Este processo atua da mesma forma nos homens, reduzindo, prejudicialmente, os valores de testosterona e aumentando os estrogénios.
Os níveis exorbitantes de estrogénios diminuem a secreção de FSH (do inglês Follicle-stimulating hormone, ou seja, hormona folículo-estimulante), o que pode suprimir a génese de folículos e provocar a ausência de ovulação.
O efeito sobre os níveis de progesterona, como consequência dos distúrbios hormonais, parece contribuir para uma difícil implantação e desenvolvimento do embrião no útero da mulher.
O consumo de álcool parece induzir a produção excessiva de prolactina (hormona pituitária) e citocinas promotoras de inflamação. As manifestações mais comuns do aumento dos níveis de prolactina nas mulheres incluem amenorreia (falta de ciclos menstruais) e galactorreia (secreção de leite). Os homens geralmente apresentam hipogonadismo (diminuição da função dos órgãos sexuais), com diminuição do desejo sexual, reduzida produção de espermatozoides e impotência e, frequentemente, revelam aumento dos seios (ginecomastia).
MECANISMOS DE DANO CELULAR PRINCIPALMENTE TESTICULAR
OPIOIDES: O consumo excessivo de álcool pontual e/ou ténue mas crónico, aumenta a produção testicular de peptidos opioides chamados beta-endorfinas. Este aumento parece estar associado a dano nos testículos, por ativação do programa de apoptose (morte-celular). Isto resulta em menor produção e libertação de testosterona, assim como diminuída formação de esperma.
OXIDAÇÃO: A oxidação do álcool, um processo que participa no metabolismo do álcool, gera subprodutos chamados oxidantes. Um desequilíbrio entre oxidantes e antioxidantes pode criar stress oxidativo, que consequentemente desencadeia processos de necrose (destruição de tecido celular) e apoptose em vários órgãos tais como os testículos, o fígado, coração, sistema nervoso central, pâncreas, entre outros.
ACETALDEÍDO: Um dos subprodutos do metabolismo do álcool/etanol é a substância denominada acetaldeído. Alguns estudos sugerem que o acetaldeído é um subproduto extremamente potente na inibição de uma enzima essencial à síntese de testosterona – a proteína quinase C.
PEROXIDAÇÃO LIPÍDICA: Os ácidos gordos que compõem as membranas dos testículos são propensas a lesões oxidativas. O consumo pontual e/ou crónico de bebidas alcoólicas potencia a peroxidação lipídica (danos nas membranas celulares) o que frequentemente contribui para a disfunção gonadal, podendo alterar significativamente o comportamento da função hormonal sexual.
DESREGULAÇÃO DE OUTRAS HORMONAS
AUMENTO DA LEPTINA: Estudos populacionais demonstraram que o aumento da gordura corporal e abdominal está relacionado ao consumo moderado e frequente de bebidas alcoólicas. As células adiposas produzem níveis elevados de leptina (hormona muitas vezes associada à saciedade), que, por sua vez, estão associados à redução dos níveis de testosterona, provavelmente através da presença de um recetor semelhante ao da leptina, nas células de Leydig (células produtoras de testosterona).
Estabelecer o equilíbrio entre a exposição a elementos nocivos e a presença de elementos protetores e reguladores é significativamente difícil. A dificuldade clarifica-se quando a homeostasia é quebrada e surgem as patologias, incómodos e falta de qualidade de vida. O consumo de álcool moderado, mas crónico, e/ou excessivo é um hábito tóxico que afeta significativamente a qualidade de vida do ser humano.
De forma a poder deleitar-se sem culpa, nem intoxicação, sugere-se o consumo moderado e pontual em ocasiões festivas, tendo sempre em consideração o estado de saúde, a existência de doenças crónicas, a predisposição genética, a fragilidade de alguns órgãos e o uso de medicação com ou sem prescrição.
NOTAS IMPORTANTES:
- Bebidas alcoólicas são todas as que contêm na sua composição álcool etílico ou etanol.
- O álcool presente nas bebidas alcoólicas é o álcool comum da farmácia. É um líquido incolor, volátil a 78,5º C, com cheiro característico e sem nenhum valor nutricional, apenas calórico.
- 1 grama de álcool fornece 7 Kilocalorias, calorias que se não forem gastas vão contribuir para acumulação de gordura corporal.
- Portugal está entre os maiores consumidores de bebidas alcoólicas e de álcool puro, a nível europeu e mundial.
- O consumo de cada uma destas bebidas nesta quantidade corresponde a 1 unidade de bebida padrão, ou seja à ingestão de cerca de 10 gramas de álcool puro:
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- 1 Copo de Vinho Tinto (100ml)
- 1 Taça de Espumante (100ml)
- ½ Caneca de Cerveja (250ml)
- 1 Copo de Vinho do Porto (50ml)
- 1 Copo de Whisky/Gin/Vodka (30ml)
- 1 Copo de shot (30ml)
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Referências:
- Erol A, Ho AM, Winham SJ, Karpyak VM. Sex hormones in alcohol consumption: a systematic review of evidence. Addict Biol. 2019;24(2):157-169. doi:10.1111/adb.12589
- Global status report on alcohol and health 2014 Consultado Online: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/112736/9789240692763_eng.pdf?sequence=1 (Data Última consulta 09/12/2020)
- Rachdaoui N, Sarkar DK. Effects of alcohol on the endocrine system. Endocrinol Metab Clin North Am. 2013;42(3):593-615. doi:10.1016/j.ecl.2013.05.008
- Silva ABJ et al. Relação entre consumo de bebidas alcoólicas por universitárias e adiposidade corporal J Bras Psiquiatr. 2011;60(3):210-5.